Amanhã às 15:30 - Peniche
Wednesday, January 6, 2010
Wednesday, December 30, 2009
Gonçalo Cadilhe na Prova Oral com F. Alvim 2009-12-28
Podcast aqui
http://ww1.rtp.pt/multimedia/index.php?prog=1070
http://tv.rtp.pt/web/podcast/gera_podcast.php?prog=1070
mp3 http://mp3.rtp.pt/mp3/wavrss/at3/630478_57613-0912282246.mp3
Conversa animada como é habitual na Prova Oral...
Algumas notas:
"Is sex dirty? Only if it's done right"
(Woody Allen)
Templo Khajuraho, India (esculturas eróticas) versus a postura assexuada da mulher Indiana (produto duma cultura castradora do desejo), origina um fenómeno surpreendente...
"A mulher mais perfeita para ser observada é em Itália" (GC)
"Viajar com a mochila às costas hoje em dia é um movimento de massas" (GC)
"O facto de estares sozinho provoca nos outros a apetência para [falar contigo], não és tu que tens que começar a conversa..." (GC)
Recomenda visitar o Sri Lanka (quanto antes!!) e explica porquê
Dá-nos uma Dica duma forma de "com facilidade" dar à volta ao mundo e amealhar...
"O Cartão Jovem vai aumentar a idade dos 27 para os 30 anos" :) (FA)
"Tu escreves exemplarmente bem" (FA)
GC anuncia um dos seus próximos programas de televisão "Geografia de Amizades" (rpt 2)
Uma conversa gira e variada que vale a pena ouvir com este, por vezes, "vagabundo"!
http://ww1.rtp.pt/multimedia/index.php?prog=1070
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mp3 http://mp3.rtp.pt/mp3/wavrss/at3/630478_57613-0912282246.mp3
Conversa animada como é habitual na Prova Oral...
Algumas notas:
"Is sex dirty? Only if it's done right"
(Woody Allen)
Templo Khajuraho, India (esculturas eróticas) versus a postura assexuada da mulher Indiana (produto duma cultura castradora do desejo), origina um fenómeno surpreendente...
"A mulher mais perfeita para ser observada é em Itália" (GC)
"Viajar com a mochila às costas hoje em dia é um movimento de massas" (GC)
"O facto de estares sozinho provoca nos outros a apetência para [falar contigo], não és tu que tens que começar a conversa..." (GC)
Recomenda visitar o Sri Lanka (quanto antes!!) e explica porquê
Dá-nos uma Dica duma forma de "com facilidade" dar à volta ao mundo e amealhar...
"O Cartão Jovem vai aumentar a idade dos 27 para os 30 anos" :) (FA)
"Tu escreves exemplarmente bem" (FA)
GC anuncia um dos seus próximos programas de televisão "Geografia de Amizades" (rpt 2)
Uma conversa gira e variada que vale a pena ouvir com este, por vezes, "vagabundo"!
Monday, November 16, 2009
1 KM DE CADA VEZ - NOVO LIVRO!!
O mais recente livro, com lançamento dia 24 de Novembro 18:30, Fnac CC Colombo.
Sinopse
Neste novo livro de textos inéditos, o viajante apresenta ao leitor as suas impressões sobre as suas mais recentes andanças. Durante quinze meses, andou sem pressas e sem datas por destinos tão fabulosos e longínquos como as Galápagos, o Sudeste Asiático, a América Central, a África Austral, a Polinésia, as Caraíbas ou a Oceânia. E, de terra em terra, entre um abraço e uma despedida, Gonçalo Cadilhe partilha com o leitor os encontros, os lugares, as leituras, os contratempos e as alegrias de uma viagem em slow-motion pelas estradas de um planeta sem segredos para o viajante mais determinado da actualidade.
Fonte: Wook.pt
Entrevista #3 Sobre Roma
Entrevista Julho 2009 a ionline.pt
"Roma de Mochila às costas por Gonçalo Cadilhe"
O português que já viajou por todo o mundo esteve algumas vezes em Roma e fala-lhe do despretensiosismo da capital italiana. Conheça as propostas de Gonçalo Cadilhe para Roma
Cadilhe escreve livros sobre todos os sítios por onde passa
O meu hotel favorito
Nunca tive oportunidade (leia-se dinheiro) para frequentar os hotéis de Roma (sempre fiquei em casa de amigos), mas se pudesse escolher uma noite num deles, ia para o Hotel Fontana, que é um pequeno edifício num antigo bordel oitocentista debruçado sobre a fonte de Trevi. Discreto e muito charmant, ironicamente passa despercebido aos milhões que atiram moedas para a água, de costas para a fonte, de frente para a sua fachada romana.
O melhor restaurante
Roma não é a cidade ideal para comer em Itália, nem sequer tem tradições gastronómicas relevantes. No entanto, tem boas tascas a preços baixos. Nunca perco a oportunidade de comer um prato de mezzi rigattoni in salsa di broccoli, no restaurante Piccola Roma da Ezio, na via Giolitti. Perto do parlamento, é onde os senadores vão almoçar o prato do dia e mal entramos algum empregado de mesa há-de vir ter connosco cumprimentar-nos com um “buon giorno, senatore!”, independentemente das sandálias, da máquina fotográfica e da mochila às costas
O meu passeio favorito
Gosto particularmente de passear pelas vielas do quarteirão medieval, essa Roma do povinho amedrontado e ignorante da alta Idade Média que construiu as casotas com as pedras do antigo Império Romano e que queimou Giordano Bruno na fogueira. É uma Roma despretensiosa e tranquila, não tocada pelos excessos barrocos da contra-reforma vaticana, uma Roma frágil e diminuta que me recorda a precariedade da grandeza humana
O melhor bar
Disse atrás que não tinha dinheiro para frequentar um hotel como o Fontana, mas para beber um prosecco ao fim da tarde no seu bar, sim: uma sala minúscula com janelas viradas para essa fonte de Trevi que, como diz a canção, “se lhe atiras uma moeda para água/ constringes o destino/ a fazer com que um dia regresses a Roma”
A minha livraria preferida
Aconselho duas livrarias para os leitores que não dominam o Italiano, ambas perto da Piazza Navona e ambas com grande selecção de livros em outras línguas: a livraria da cadeia Feltrinelli perto do Largo de Santa Susana, dedicada a edições internacionais; e a Libreria Francese, na Piazza San Luigi dei Francesi, ao pé do famoso Caffé Grecco e do palazzo Madama
A melhor rua de compras
Talvez a mais engraçada zona de compras é o mercado de Porta Portese, aos domingos de manhã: é a feira da ladra de Roma. Uma vez fui enganado por um livreiro a comprar uns livros lá, mas só reparei uns dias depois. As últimas palavras do livreiro, quando lhe entreguei o dinheiro e me passou os livros, foi um amigável: “Em Porta Portese fazem-se sempre bons negócios, amigo meu”
O meu museu favorito
Roma é o museu. Não se pode especificar. Mas o meu coração está com a igreja de San Luigi dei Francesi. É apenas uma igreja, mas lá dentro, numa capela, como quem não quer a coisa, encontram-se três fabulosos Caravaggio, dedicados à vida de São Mateus. Em qualquer outra capital do mundo, seriam o espólio principal do principal museu nacional. Ali, em Roma, são apenas três quadros numa capelazita de uma igreja menor
O segredo que Roma melhor esconde
Segredos sobre Roma? Os únicos que conheço são os do livrinho de Corrado Augias, “I Segreti di Roma”, uma espécie de guia histórico da cidade através de pequenos episódios menos conhecidos. Também em edição inglesa, creio. Mas eis um lugar que, não sendo um segredo, é menos visitado e que é dos meus preferidos: a Villa Adriano, no “subúrbio” de Tivoli. Para passar umas horas sentado a (re)ler as “Memórias de Adriano”, um dos livros fundamentais da minha vida e que terminei de ler, precisamente, aqui
Nunca tive oportunidade (leia-se dinheiro) para frequentar os hotéis de Roma (sempre fiquei em casa de amigos), mas se pudesse escolher uma noite num deles, ia para o Hotel Fontana, que é um pequeno edifício num antigo bordel oitocentista debruçado sobre a fonte de Trevi. Discreto e muito charmant, ironicamente passa despercebido aos milhões que atiram moedas para a água, de costas para a fonte, de frente para a sua fachada romana.
O melhor restaurante
Roma não é a cidade ideal para comer em Itália, nem sequer tem tradições gastronómicas relevantes. No entanto, tem boas tascas a preços baixos. Nunca perco a oportunidade de comer um prato de mezzi rigattoni in salsa di broccoli, no restaurante Piccola Roma da Ezio, na via Giolitti. Perto do parlamento, é onde os senadores vão almoçar o prato do dia e mal entramos algum empregado de mesa há-de vir ter connosco cumprimentar-nos com um “buon giorno, senatore!”, independentemente das sandálias, da máquina fotográfica e da mochila às costas
O meu passeio favorito
Gosto particularmente de passear pelas vielas do quarteirão medieval, essa Roma do povinho amedrontado e ignorante da alta Idade Média que construiu as casotas com as pedras do antigo Império Romano e que queimou Giordano Bruno na fogueira. É uma Roma despretensiosa e tranquila, não tocada pelos excessos barrocos da contra-reforma vaticana, uma Roma frágil e diminuta que me recorda a precariedade da grandeza humana
O melhor bar
Disse atrás que não tinha dinheiro para frequentar um hotel como o Fontana, mas para beber um prosecco ao fim da tarde no seu bar, sim: uma sala minúscula com janelas viradas para essa fonte de Trevi que, como diz a canção, “se lhe atiras uma moeda para água/ constringes o destino/ a fazer com que um dia regresses a Roma”
A minha livraria preferida
Aconselho duas livrarias para os leitores que não dominam o Italiano, ambas perto da Piazza Navona e ambas com grande selecção de livros em outras línguas: a livraria da cadeia Feltrinelli perto do Largo de Santa Susana, dedicada a edições internacionais; e a Libreria Francese, na Piazza San Luigi dei Francesi, ao pé do famoso Caffé Grecco e do palazzo Madama
A melhor rua de compras
Talvez a mais engraçada zona de compras é o mercado de Porta Portese, aos domingos de manhã: é a feira da ladra de Roma. Uma vez fui enganado por um livreiro a comprar uns livros lá, mas só reparei uns dias depois. As últimas palavras do livreiro, quando lhe entreguei o dinheiro e me passou os livros, foi um amigável: “Em Porta Portese fazem-se sempre bons negócios, amigo meu”
O meu museu favorito
Roma é o museu. Não se pode especificar. Mas o meu coração está com a igreja de San Luigi dei Francesi. É apenas uma igreja, mas lá dentro, numa capela, como quem não quer a coisa, encontram-se três fabulosos Caravaggio, dedicados à vida de São Mateus. Em qualquer outra capital do mundo, seriam o espólio principal do principal museu nacional. Ali, em Roma, são apenas três quadros numa capelazita de uma igreja menor
O segredo que Roma melhor esconde
Segredos sobre Roma? Os únicos que conheço são os do livrinho de Corrado Augias, “I Segreti di Roma”, uma espécie de guia histórico da cidade através de pequenos episódios menos conhecidos. Também em edição inglesa, creio. Mas eis um lugar que, não sendo um segredo, é menos visitado e que é dos meus preferidos: a Villa Adriano, no “subúrbio” de Tivoli. Para passar umas horas sentado a (re)ler as “Memórias de Adriano”, um dos livros fundamentais da minha vida e que terminei de ler, precisamente, aqui
Tome nota:
Hotel FontanaPiazza di Trevi, 96http://www.hotelfontana-trevi.com/
Restaurante Piccola Roma da EzioVia Uffici del Vicario 36
La Feltrinellihttp://www.lafeltrinelli.it/fcom/it/home.html
Libreria Francesehttp://www.libreriafrancese.it/
Hotel FontanaPiazza di Trevi, 96http://www.hotelfontana-trevi.com/
Restaurante Piccola Roma da EzioVia Uffici del Vicario 36
La Feltrinellihttp://www.lafeltrinelli.it/fcom/it/home.html
Libreria Francesehttp://www.libreriafrancese.it/
Por Nelma Viana
Entrevista #2 - muito gira
Entrevista a "Ensino Magazine Online" Junho 2008
GONÇALO CADILHE
O homem que persegue o sonho de Magalhães
O Viajante ao serviço de um ideal de vida muito próprio, Gonçalo Cadilhe fala de uma viagem radicalmente diferente das que empreende sozinho por todo o mundo, o projecto televisivo Nos Passos de Magalhães.Valoriza «Cada minuto vale mais que cada cêntimo» e diz trazer das viagens apenas papéis. Mas da sua bagagem fazem também parte as crónicas que vai reunindo em livros tão essenciais como Planisfério Pessoal e a Lua Pode Esperar. Com um percurso feito de inúmeros destinos, aos 40 anos, e com 20 anos de viagens, Gonçalo Cadilhe está em forma para continuar a percorrer a terra, pois afirma «voar não é viajar é só chegar de um ponto a outro ponto».
O homem que persegue o sonho de Magalhães
O Viajante ao serviço de um ideal de vida muito próprio, Gonçalo Cadilhe fala de uma viagem radicalmente diferente das que empreende sozinho por todo o mundo, o projecto televisivo Nos Passos de Magalhães.Valoriza «Cada minuto vale mais que cada cêntimo» e diz trazer das viagens apenas papéis. Mas da sua bagagem fazem também parte as crónicas que vai reunindo em livros tão essenciais como Planisfério Pessoal e a Lua Pode Esperar. Com um percurso feito de inúmeros destinos, aos 40 anos, e com 20 anos de viagens, Gonçalo Cadilhe está em forma para continuar a percorrer a terra, pois afirma «voar não é viajar é só chegar de um ponto a outro ponto».
Nos Passos de Magalhães – Em Busca da Maior Epopeia Realizada por um Português é um livro teu e também uma série documental televisiva a ser transmitida aos sábados à noite, na RTP2. Tal como Fernão de Magalhães também és um viajante e um homem de aventura, mas esta epopeia foi concluída em circunstâncias diferentes, as câmaras de televisão estavam lá. Como foi a experiência?
A minha epopeia foi radicalmente diferente dos projectos que tinha a vindo a desenvolver nos últimos anos. Não estava a viajar sozinho, essa é a diferença fundamental e isso obrigou-me a uma organização brutal, a nível de encontros com o operador de câmara, que vinha ter comigo com uma certa regularidade aos lugares chave da vida de Magalhães. Por outro lado, tínhamos marcações. Poderíamos visitar este museu e filmar no dia xis, havia a entrevista com o professor universitário, da Universidade não sei onde, no dia ipslon, era tudo especialmente compartimentado e agendado. Precisamente o oposto do meu projecto anterior, da viagem de África. O que acontecia no momento, decidia o próximo passo. Depois o facto de querer ter a certeza do que estava a dizer, obrigou-me a uma pesquisa de quase um ano, de dezenas de livros, para chegar à síntese que espero seja a indicada como veículo de transmissão da vida de Magalhães.
Fernão de Magalhães há 500 anos empreendeu uma viagem de circum-navegação ao serviço do rei de Espanha. És um viajante ao serviço do quê?
Ao serviço de um ideal de vida muito próprio, muito pessoal, onde cada minuto vale mais que cada cêntimo. Aquela ideia de «tempo é dinheiro» ganha o seu significado literal, ou se tem tempo ou se tem dinheiro e eu sempre preferi ter tempo em detrimento do dinheiro. Esta viagem Nos Passos de Magalhães, flui perfeitamente dentro do percurso de vida que tenho vindo a levar nos últimos 20 anos.
Com um curso de Gestão de Empresas, trabalhaste sete meses em Marketing. Foi o tempo necessário para perceberes que a tua empresa era o mundo, ou esse era um sonho mais antigo?
Definitivamente um sonho muito mais antigo. Um sonho que esperava apenas ser concretizado, mas que está desde miúdo. Há dias recebi um e-mail de um amigo que já não vejo há vinte cinco anos. Conseguiu contactar-me porque enviou o e-mail para a editora, que depois o passou. Ele dizia «quando comecei a ver o teu nome, interrogava-me, será o mesmo que eu conheci há vinte e tal anos na Figueira? Mas tinha a certeza que sim, porque já na altura o teu sonho era andar a viajar pelo mundo». Pelos vistos, quando tínhamos 12,13, 14 anos e éramos amigos, já falava disso.
Depois há algo que também escrevo num livro, No Principio Estava o Mar «Se um sonho que nós temos é apenas isso, um sonho nunca se chega a realizar». Chegamos aos 70 ou 80 anos, olhamos para trás e vemos que andamos a vida toda a ser atormentados por esse sonho e nunca o realizamos, afinal não foi um sonho, foi um pesadelo. Eu não queria ter pesadelos, queria ter sonhos.
Tens vários livros publicados, escreveste como jornalista de viagens para a Grande Reportagem, para o Independente, e actualmente assinas artigos na Única, a revista do Expresso. Escreves para poder viajar ou também viajas para escrever?
É uma pergunta que me ponho a mim próprio e ainda não tenho uma resposta. Faço as duas coisas. Portanto a resposta está dada.
África Acima (2007) é o resultado de 8 meses de viagens e 27 mil quilómetros através de África, do Cabo da Boas Esperança, ao Estreito de Gibraltar. No livro afirmas «Excluo o transporte aéreo, voar sobre África não é viajar por África. Aliás, voar não é viajar.».Uma viagem cumpre-se mais no percurso do que no destino?
Depende da viagem, depende do projecto. No caso de Magalhães, por exemplo, a viagem cumpria-se nos destinos e não no percurso. O que interessava era chegar aos lugares onde ele esteve. Têm esse símbolo, de terem testemunhado cinco séculos atrás, a vida desse homem. Não me interessava atravessar um país que nada viu de Magalhães. Moçambique, Tanzânia, Quénia são três países que estão ligados uns aos outros, Magalhães sabe-se com toda a certeza que esteve na ilha de Moçambique, em Mombaça, no Quénia, não esteve. Atravessar de um lado ao outro não fazia parte do meu projecto, cada projecto tem um objectivo. Mas volto repetir o que já disse nesse livro «Voar não é viajar, é apenas chegar de um ponto a outro ponto».
Um turista regressa com recordações na bagagem e as recordações de um viajante, cabem na mochila ou não são de ordem material?
Cada viajante terá a sua resposta. Pessoalmente a única coisa que trago, a nível material, são bilhetes de autocarro, entradas de museus, etiquetas de cerveja. Só papéis que depois me divirto em casa a colar num cartaz que ponho na parede. Não trago mais nada, por causa do peso e porque acho que é uma tentativa inútil de recuperar uma experiência que vivemos e que só a memória pode realmente guarda-la. Um objecto em si não consegue ter o poder de transportar ao momento em que vivemos isso.
Mas também acho essa distinção entre turista e viajante injusta. O turista pode viver muito mais intensamente a viagem do que o viajante. Um viajante pode apenas sê-lo porque vive numa época da história da humanidade e numa zona do globo, como sejam os Estados Unidos, a Austrália ou os países Anglo-saxónicos, em que o nível de vida é muito elevado e é fácil comprar um bilhete para viajar pelos lugares exóticos, estar um ano sem trabalhar e gastar dinheiro que se ganhou facilmente num país. Então esse é um viajante, mas um viajante superficial, que nada lhe foi caro, tudo lhe foi fácil. Foi a indústria do turismo e a indústria dos livros que fez muita pressão para que existisse uma diferença entre turista e viajante.
Voltando à pergunta pessoal, não trago quase nada, só trago brincadeiras, para me divertir a colá-las.
Há um verso de Fernando Pessoa que diz: «Em tudo o que olhei fiquei em parte». Também te sentes ligado aos lugares por onde passas ou procuras sempre um destino mais a norte ou mais a sul. Enfim, mais distante?
Não me importo de voltar repetidamente aos mesmos lugares quando fico ligado a eles, em detrimento de lugares novos que ainda não conheço e que ficarão por conhecer. Não sou pela quantidade, sou pela intensidade da experiência e muitas vezes a experiência mais intensa é no regresso, no reencontro, e não na descoberta.
Atravessas fronteiras perigosas nas tuas andanças pelo mundo?
Viajo com uma relativa segurança, com uma relativa prudência e nunca arrisco por princípio. Se as pessoas atravessarem essas fronteiras, eu faço como elas, sigo-as. Vou sempre com prudência, não corro riscos. Limito-me apenas a fazer o que para essas pessoas é o quotidiano delas. Limito-me a perseguir quotidianos.
Também se viaja ao encontro de si mesmo, ao conhecer o mundo também nos conhecemos melhor?
Não necessariamente. Volto à ideia de há bocado desses jovens anglo-saxónico que quando acabam os estudos conseguem juntar dinheiro ou fazer trabalho de part-time para estar um ano a viajar. Vão atrás da diversão, de um comportamento de massas. Tanto que é assim que há livros que vendem aos milhares, como os Lanely Planet os Rough Guide, onde estão instituídos percursos, e não acredito que por se estar a viajar se esteja a descobrir qualquer coisa. Enquanto há pessoas que sem sair de casa conseguem isso. Depende da espiritualidade que cada um queira desenvolver por si próprio, independentemente de viajar ou não.É obvio que um horizonte aberto permite mais que um horizonte fechado, uma fila de trânsito, um engarrafamento, permite menos que um rochedo sobre uma planície, um vale. Mas isso não tem a ver com viajar, tem a ver com procurar momentos da nossa vida que nos predisponham para essa viagem interior.
Da bagagem fazem parte a prancha de surf, a guitarra e os livros. Qual foi o livro que te acompanhou durante mais tempo ou mais quilómetros?
Magellan, de Tim Joyner. Este livro foi de todos aqueles que li sobre Magalhães o que eu achei que é a biografia definitiva. Foi uma bíblia para mim neste último projecto sobre a viagem.
Muitos sonham com a vida que tens mas poucos terão a coragem de a viver. Que conselho darias a alguém que aspira andar pelo mundo?
É uma ideia muito romântica para quem está de fora, mas depois é uma vida como todas as outras. Uma pessoa tem de saber muito bem o que quer fazer da vida e a partir do momento em que tomou a sua decisão, procurar desenvolve-la da maneira mais coerente possível. Se calhar esse conselho era igual para alguém que vai começar a ser médico, sê honesto contigo próprio, sê coerente. Para alguém que quer ir com o Jipe dar volta ao mundo, não tinha nenhum conselho, porque não faz parte da minha experiência. Se é alguém que quer fazer alguma coisa que eu já fiz, podia ter um conselho, mas tinha de ser uma coisa genérica, ao qual teria cuidado de não dar uma resposta inútil.
O que é que faz falta para viajar?
Uma pessoa só precisa daquilo que tem. Tenho vivido uma vida e feito viagens que estão perfeitamente de acordo com a minha maneira de ser e as minhas limitações, quer económicas, quer intelectuais, quer físicas. Viajar é também uma questão de esforço físico. Nada me tem faltado nada, porque tenho escolhido coisas que estão dentro das minhas possibilidades. Se calhar voltamos à pergunta anterior e o conselho que eu dava era conhecer bem as próprias capacidades, os próprios limites. Os meus quarenta anos, - vou fazer sábado (24 de Maio)- são nesse sentido um planador de serenidade, porque sinto que estou precisamente naquele momento da minha vida em que consigo ter perfeita noção dos meus limites e a forma física e saúde para os realizar.
Eugénia Sousa
Entrevista #1
Entrevista ao blog Farpas Entrevistas
Blogs Jornal de Notícias
Agosto 2007
Gonçalo Cadilhe: “Sou um Dom Quixote pulverizado de cinismo”
Helena Teixeira da Silva
Foi contactado por SMS, respondeu por email, no ‘smog’ das Filipinas. Gonçalo Cadilhe, 39 anos, desistiu de picar o ponto. É bem capaz de ser um dos portugueses mais invejados de hoje: a sua vida é viajar e escrever sobre o que vê. Prepara agora um projecto literário sobre Fernão de Magalhães.
Está nas Filipinas. Quer descrever-me o cenário exacto que o rodeia?
É o típico cenário exótico, oriental e pitoresco que todos imaginamos serem as Filipinas: a brisa, a humidade, as palmeiras e uma cortina de smog que não me permite sequer ver se posso ou não atravessar agora a avenida
Em Fevereiro foram encontrados pregos dentro de centenas de bananas Filipinas. Trincou alguma por aí?
Não, nenhum problema aqui. Todas as bananas aqui à venda são importadas do Equador. As bananas das Filipinas, essas são naturalmente exportadas para o Equador. Ah, esquecia-me de dizer: faz parte do esquema de economias de escala e redução de custos da Chiquita. Assim anda a deseconomia mundial...
Já decidiu para onde seguirá depois?
Sigo para Guam, na Micronésia. Ando a visitar os lugares mais significativos da vida de Fernão de Magalhães para um projecto literário.
Sente que descobriu o verdadeiro ovo de Colombo ao conseguir viver do prazer de viajar e depois contar?
Neste momento, e já há vários meses, ando mais preocupado com o ovo de Magalhães.
Como é feita a contabilidade do seu copo de água: meio cheio ou meio vazio? Conta os países que já conheceu ou os que lhe falta conhecer?
O meu copo anda sempre vazio. Parafraseando (de memória) o poema do Caetano: minha sede não é qualquer copo de água que mata/ minha sede é uma sede que é a sede do próprio mar.
A viagem é o viajante?
A viagem é o espelho do viajante, cada paisagem mostra-lhe a própria alma que tem.
Quando está fora, faz questão de manter-se informado sobre Portugal ou actualiza-se só quando regressa?
Faço questão de manter-me desactualizado, à margem mesmo. Quando estou por cá é mais fácil, claro, a natural repulsão por todas essas notícias mesquinhas e frívolas, que não interessam para nada e que no dia seguinte já ninguém recorda, mantém-me naturalmente as defesas alçadas. Viajando é que fica mais difícil resistir a saber coisas, porque as saudades amolecem.
Conhece tão bem Portugal como conhece parte do mundo?
Espero bem que não. Seria insultar o resto do mundo.
Dá consigo a ter mais saudades de casa ou dos lugares onde não voltará?
Saudades só do futuro, por favor.
Teve pena que o Infante D. Henrique não fosse considerado o maior dos “Grande Portugueses”?
Não, pena nenhuma. Era só um programa de entretenimento da televisão.
Estar permanentemente em contacto com outras culturas abala as suas convicções religiosas, políticas e outras?
Felizmente, sim. Mas Bush perdeu um potencial defensor da sua política de terra e carne queimada.
Acha que a sua legião de fãs fica a dever-se mais às viagens ou à coragem de abdicar de uma vida sedentária?
Creio que a minha popularidade se deve à minha participação regular nas festas do jet set do Agosto algarvio.
Somos, como alguém escreveu num blog a propósito do seu livro, “todos bastante parecidos quando limpamos o pó das aparências”?
Diferentes q.b. para valer a pena andar pelo mundo a procurar as semelhanças.
Lida bem com o mal que vê pelo mundo ou fica a martelar-lhe na cabeça?
Sou um D. Quixote pulverizado de cinismo.
Viajar pode ser, também, uma prisão?
A prisão não é a viagem, mas sim, parafraseando a Yourcenar, a cela redonda e azul por onde ela se desenrola.
Escreveu em “A lua pode esperar”: “Temos a idade europeia driblada, do matrimónio adiado, da paternidade esquivada (…) cocktail que mistura conhecimento e irresponsabilidade, cepticismo antigo e leveza amoral, vida fácil e experiência de vida”. Viajar é uma forma consciente de contornar o que para muitos parece uma inevitabilidade?
Não tem que ver com viajar, mas com optar por uma vida fácil, sem responsabilidades, num mundo orientado para valorizar tudo o que é ‘fun’, ‘light’, ‘easy’, inconsequente. E precisamente logo agora que temos todas as ferramentas culturais e toda a informação para podermos tomar decisões e opções de vida dignas, profundas, responsáveis. Que paradoxo.
Ainda leva a prancha de surf e a guitarra para onde quer que vá?
Umas vezes a guitarra, outras a prancha, por vezes as duas e então é uma festa.
Vive um dia de cada vez ou sente a pressão do tempo que nunca chega?
Uma forma exclui a outra? Sempre pensei que fossem causa e consequência.
Quando editou “Volta ao mundo por terra e mar”, em 2004, houve muito quem se queixasse de não encontrar crónicas mas apenas imagens. Estas retaliações surpreenderam-no?
Penso que os protestos se resolveram, poucos meses depois, com a publicação do “Planisfério Pessoal”, o equivalente em texto dessas imagens.
Acusam-no de um certo deslumbramento perante a miséria alheia e de a romancear. Quer defender-se?
Não quero defender-me. Deve ser uma frase minha qualquer, fora de contexto, que levou alguém a essa conclusão.
Acha que as pessoas esperam de si, também, um olhar crítico, quase político?
Sinceramente, não sei o que as pessoas esperam de mim. Já me custa bastante saber o que eu espero de mim. Mas se o que essas pessoas esperam de mim não se concretizar, então significa que formaram uma ideia errada de mim, vá-se lá saber porquê.
Resiste aos gadgets que encontra em cada país ou a tecnologia não o fascina?
Não resisto ao que me pode ser útil para melhorar a minha qualidade de vida. Creio que tal como qualquer outro ser humano...
Um relato vale mais do que mil imagens?
Se for escrito pelo Saramago, sim.
Em “O canto nómada”, Bruce Chatwin escreveu: “Tive o pressentimento de que a fase ‘andarilha’ da minha vida podia estar a chegar ao fim. Tive a sensação de que, antes de ser contaminado pelo mal-estar do sedentarismo, tinha de voltar a abrir este bloco-notas. Tinha de pôr no papel um apanhado das ideias, citações e encontros que me tinham divertido e obcecado; e que, segundo esperava, esclareceriam o que, para mim, é a questão das questões: a natureza do desassossego humano”. Já sentiu isto, que a sua fase de andarilho podia estar a chegar ao fim? Não, não senti isso - nem sequer penso numa vida dividida em “fases”. A minha vida tem decorrido de uma forma muito fluida e encadeada, não tem sido uma sucessão de “fases”. Talvez uma sucessão de compassos, numa partitura para improvisação por terra e mar…
Blogs Jornal de Notícias
Agosto 2007
Gonçalo Cadilhe: “Sou um Dom Quixote pulverizado de cinismo”
Helena Teixeira da Silva
Foi contactado por SMS, respondeu por email, no ‘smog’ das Filipinas. Gonçalo Cadilhe, 39 anos, desistiu de picar o ponto. É bem capaz de ser um dos portugueses mais invejados de hoje: a sua vida é viajar e escrever sobre o que vê. Prepara agora um projecto literário sobre Fernão de Magalhães.
Está nas Filipinas. Quer descrever-me o cenário exacto que o rodeia?
É o típico cenário exótico, oriental e pitoresco que todos imaginamos serem as Filipinas: a brisa, a humidade, as palmeiras e uma cortina de smog que não me permite sequer ver se posso ou não atravessar agora a avenida
Em Fevereiro foram encontrados pregos dentro de centenas de bananas Filipinas. Trincou alguma por aí?
Não, nenhum problema aqui. Todas as bananas aqui à venda são importadas do Equador. As bananas das Filipinas, essas são naturalmente exportadas para o Equador. Ah, esquecia-me de dizer: faz parte do esquema de economias de escala e redução de custos da Chiquita. Assim anda a deseconomia mundial...
Já decidiu para onde seguirá depois?
Sigo para Guam, na Micronésia. Ando a visitar os lugares mais significativos da vida de Fernão de Magalhães para um projecto literário.
Sente que descobriu o verdadeiro ovo de Colombo ao conseguir viver do prazer de viajar e depois contar?
Neste momento, e já há vários meses, ando mais preocupado com o ovo de Magalhães.
Como é feita a contabilidade do seu copo de água: meio cheio ou meio vazio? Conta os países que já conheceu ou os que lhe falta conhecer?
O meu copo anda sempre vazio. Parafraseando (de memória) o poema do Caetano: minha sede não é qualquer copo de água que mata/ minha sede é uma sede que é a sede do próprio mar.
A viagem é o viajante?
A viagem é o espelho do viajante, cada paisagem mostra-lhe a própria alma que tem.
Quando está fora, faz questão de manter-se informado sobre Portugal ou actualiza-se só quando regressa?
Faço questão de manter-me desactualizado, à margem mesmo. Quando estou por cá é mais fácil, claro, a natural repulsão por todas essas notícias mesquinhas e frívolas, que não interessam para nada e que no dia seguinte já ninguém recorda, mantém-me naturalmente as defesas alçadas. Viajando é que fica mais difícil resistir a saber coisas, porque as saudades amolecem.
Conhece tão bem Portugal como conhece parte do mundo?
Espero bem que não. Seria insultar o resto do mundo.
Dá consigo a ter mais saudades de casa ou dos lugares onde não voltará?
Saudades só do futuro, por favor.
Teve pena que o Infante D. Henrique não fosse considerado o maior dos “Grande Portugueses”?
Não, pena nenhuma. Era só um programa de entretenimento da televisão.
Estar permanentemente em contacto com outras culturas abala as suas convicções religiosas, políticas e outras?
Felizmente, sim. Mas Bush perdeu um potencial defensor da sua política de terra e carne queimada.
Acha que a sua legião de fãs fica a dever-se mais às viagens ou à coragem de abdicar de uma vida sedentária?
Creio que a minha popularidade se deve à minha participação regular nas festas do jet set do Agosto algarvio.
Somos, como alguém escreveu num blog a propósito do seu livro, “todos bastante parecidos quando limpamos o pó das aparências”?
Diferentes q.b. para valer a pena andar pelo mundo a procurar as semelhanças.
Lida bem com o mal que vê pelo mundo ou fica a martelar-lhe na cabeça?
Sou um D. Quixote pulverizado de cinismo.
Viajar pode ser, também, uma prisão?
A prisão não é a viagem, mas sim, parafraseando a Yourcenar, a cela redonda e azul por onde ela se desenrola.
Escreveu em “A lua pode esperar”: “Temos a idade europeia driblada, do matrimónio adiado, da paternidade esquivada (…) cocktail que mistura conhecimento e irresponsabilidade, cepticismo antigo e leveza amoral, vida fácil e experiência de vida”. Viajar é uma forma consciente de contornar o que para muitos parece uma inevitabilidade?
Não tem que ver com viajar, mas com optar por uma vida fácil, sem responsabilidades, num mundo orientado para valorizar tudo o que é ‘fun’, ‘light’, ‘easy’, inconsequente. E precisamente logo agora que temos todas as ferramentas culturais e toda a informação para podermos tomar decisões e opções de vida dignas, profundas, responsáveis. Que paradoxo.
Ainda leva a prancha de surf e a guitarra para onde quer que vá?
Umas vezes a guitarra, outras a prancha, por vezes as duas e então é uma festa.
Vive um dia de cada vez ou sente a pressão do tempo que nunca chega?
Uma forma exclui a outra? Sempre pensei que fossem causa e consequência.
Quando editou “Volta ao mundo por terra e mar”, em 2004, houve muito quem se queixasse de não encontrar crónicas mas apenas imagens. Estas retaliações surpreenderam-no?
Penso que os protestos se resolveram, poucos meses depois, com a publicação do “Planisfério Pessoal”, o equivalente em texto dessas imagens.
Acusam-no de um certo deslumbramento perante a miséria alheia e de a romancear. Quer defender-se?
Não quero defender-me. Deve ser uma frase minha qualquer, fora de contexto, que levou alguém a essa conclusão.
Acha que as pessoas esperam de si, também, um olhar crítico, quase político?
Sinceramente, não sei o que as pessoas esperam de mim. Já me custa bastante saber o que eu espero de mim. Mas se o que essas pessoas esperam de mim não se concretizar, então significa que formaram uma ideia errada de mim, vá-se lá saber porquê.
Resiste aos gadgets que encontra em cada país ou a tecnologia não o fascina?
Não resisto ao que me pode ser útil para melhorar a minha qualidade de vida. Creio que tal como qualquer outro ser humano...
Um relato vale mais do que mil imagens?
Se for escrito pelo Saramago, sim.
Em “O canto nómada”, Bruce Chatwin escreveu: “Tive o pressentimento de que a fase ‘andarilha’ da minha vida podia estar a chegar ao fim. Tive a sensação de que, antes de ser contaminado pelo mal-estar do sedentarismo, tinha de voltar a abrir este bloco-notas. Tinha de pôr no papel um apanhado das ideias, citações e encontros que me tinham divertido e obcecado; e que, segundo esperava, esclareceriam o que, para mim, é a questão das questões: a natureza do desassossego humano”. Já sentiu isto, que a sua fase de andarilho podia estar a chegar ao fim? Não, não senti isso - nem sequer penso numa vida dividida em “fases”. A minha vida tem decorrido de uma forma muito fluida e encadeada, não tem sido uma sucessão de “fases”. Talvez uma sucessão de compassos, numa partitura para improvisação por terra e mar…
À volta do mundo por terra e mar: Dias em Goa
Artigo retirado de http://www.supergoa.com/
À volta do mundo por terra e mar: Dias em Goa
18/4/2004 Gonçalo Cadilhe
in: Expresso, 27 de Março 2004
Entre as ruínas de Velha Goa e as «raves» dos jovens ocidentais, a língua portuguesa ainda é, para alguns, marca de identidade. Reportagem de Gonçalo Cadilhe para o EXPRESSO, na sua volta ao mundo.
É o mar Arábico, não sei porquê. Nos mapas parece-me tudo o mesmo oceano Índico. O quê, ou quem, divide os mares em outros mares? Serão correntes, temperaturas, ilhas, relevos submersos que colocam o Tirreno dentro do Mediterrâneo, o Cantábrico num canto do Atlântico, o mar da Tasmânia no fim do oceano Pacífico?
Este, o Arábico, talvez se chame assim por uma imprecação de Vasco da Gama ou Albuquerque, os heróis antigos deste pedaço de Índia onde em tempos o mar acabava e a terra recomeçava: «Primeiro, as águas agitadas do mar dos árabes; depois, as colinas ondulantes da Goa cristã». Outros tempos. Portugal aqui acabou, sem transição nem tentáculos no futuro, um insignificante momento político nesta terra de religião em que o ciclo cósmico substitui o sentido da História.
Sobrevivem algumas praças e fachadas, que poderiam ser as de um passeio nocturno pelos centros de Alcobaça ou Viseu, vestígios pitorescos submersos por prédios feios e degradados - que poderiam ser, também eles, de Alcobaça ou Viseu. Despontam alguns letreiros, nomes, topónimos que já ninguém sabe ler: Barbearia Godinho, Hotel Prainha, Bairro das Fontainhas. Os folhetos turísticos dedicam algumas linhas ao exotismo do legado português - a «siesta», a indolência mediterrânea, o cristianismo - e depois prosseguem para temas mais mundanos: as praias, os empreendimentos hoteleiros, as compras ou Velha Goa, a Roma do Oriente.
Visito essa aparição que é Velha Goa, a primeira cidade construída pelos meus antepassados, a capital dos anos da abundância fácil, da fé exacerbada. Dois séculos depois foi trocada por Panjim. Passeio pela capital despojada. Pouco lhe ficou: apenas as inúmeras igrejas, imensas, abandonadas. Já as tinha visto, do comboio, na luz delicada do final da tarde. A paisagem colorida, aquática, fértil, de uma serenidade bíblica, parecia acolher bem as torres e os crucifixos - um entrelaçado de religiosidade codificada e espiritualidade telúrica. Mas agora, sem a distância, sem a luminosidade, as igrejas aparecem como menires fossilizados, mudos, lineares, que se afundam numa maré enchente de cultos vigorosos e teologias vorazes. Velha Goa é a nossa Atlântida tropical.
PASSADO TURÍSTICO
«Os portugueses tinham criado em Goa uma espécie de vazio meso-americano, como os espanhóis no México», escreve Naipaul em India, a Million Mutinies Now. «Tinham criado na Índia algo não da Índia, uma simplificação, onde o passado indiano tinha sido abolido». Da mesma forma que os contemporâneos de Albuquerque cortaram relações com o que existiu antes deles, a Índia contemporânea relega o passado português ao episódio de folheto turístico. Portugal em Goa: um fluxo de tempo seccionado, um fantasma no subcontinente indiano.
Pergunto a Maité e Aires Dias o que sentem que são, se portugueses ou indianos. «Goeses», respondem. A resposta é comum nesta geração, a única à qual ainda se pode fazer a pergunta. Os outros já nasceram depois da anexação. Maité e Aires estavam, em 1961, na flor da idade. Um dia adormeceram portugueses, no dia seguinte acordaram indianos. «Nehru perdeu a paciência com a intransigência de Salazar», explicam-me. Goa era para o grande estadista - refiro-me a Nehru, claro - como «um fruto maduro, que há-de cair por si mesmo». Mas o fruto acabou por se colher à força.
Deleito-me com o português suave dos meus amigos, clássico sem ser arcaico, nenhum sotaque particular, nenhuma vulgaridade ou vício moderno, as mesmas formas de expressão que um Ricardo Reis poderia trocar com Marcenda. Será a língua portuguesa a pátria destes goeses? Se não, que outro significado atribuir ao gesto do senhor Miranda, da loja de fotocópias, uns dias atrás? Quando lhe disse a minha nacionalidade, extraiu um livro de uma gaveta e exibiu-o como uma bandeira: era o Memorial do Convento.
A língua como uma identidade, uma força superior às noções de território, raça ou destino comum. É uma ideia subversiva dentro do moderno conceito de nação. Mas no futuro deste planeta globalizado talvez um núcleo linguístico identifique mais que uma pátria.
Por exemplo Prashanth, um engenheiro de som que conheço no hotel. Durante os dias que passamos juntos, apresenta-se sempre como «washingtoniano». Tento perceber porquê. Prashanth nasceu na Índia, emigrou para a América aos oito anos, e agora, com 25, veio de férias à terra natal. Não há contradição nem pretensiosismo na sua identificação. Não se sente nem americano nem indiano, apenas alguém que cresceu numa comunidade hindu em Washington.
Acompanho Prashanth à praia de Anjuna, a duas horas de autocarro. Vai conhecer pessoalmente um amigo de um amigo, um americano: «Falámos várias vezes ao telefone, ajudei-o em algumas coisas, mas nunca nos encontrámos». Anjuna é um dos paraísos mundiais da droga e da contracultura, e apanha-me de surpresa. Assistimos a um concerto de instrumentos orientais, numa esplanada sobre o mar. A música é hipnótica, repetitiva, amodal, insinuante. A audiência está completamente drogada - «com pastilhas», explica Prashanth - e dança sem beleza nem pudor pelo estrado da esplanada, não pelo prazer liberatório do movimento corporal mas como resposta ao ritmo alienante. Sinto-me a testemunha involuntária de um ritual pagão, de um transe colectivo.
GOA GIL
O «GURU» PEDANTE Ao fim da tarde encontramos Goa Gil, o amigo do amigo do Prashanth. Goa Gil é um dos inventores da música «trance» - essa maldita não-música que infesta as discotecas do mundo inteiro. Dentro do «millieu», Goa Gil é uma pessoa importante, e considera-se como tal. O americano, vestido como um guru indiano, recebe-nos na sala de audiências do seu pequeno feudo. Meia dúzia de seguidores escutam boquiabertos o que tem para dizer. Oferece-nos um chá, mas recusa-se a falar com o jornalista português: «Só falo para a minha tribo», explica-nos. Trata Prashanth, o amigo do seu amigo, com suficiência e enfado. Decidimos retirar-nos ao fim de poucos minutos. Prashanth está furioso com a humilhação, eu com o tempo perdido.
Regressamos a Goa no último autocarro. Prashanth de repente exclama: «E se o chá tivesse droga?» Eu excluo a hipótese, depois olho pela janela: «Prashanth, na Índia há elefantes cor-de-rosa a planar pela floresta?» Responde: «Sim, há. Já vi uns quatro desde que tomei aquele chá». Rimos às gargalhadas, no velho autocarro que regressa a um fantasma do passado, onde o tempo é cósmico e a língua substitui a ideia de pátria.
Gonçalo Cadilhe
À volta do mundo por terra e mar: Dias em Goa
18/4/2004 Gonçalo Cadilhe
in: Expresso, 27 de Março 2004
Entre as ruínas de Velha Goa e as «raves» dos jovens ocidentais, a língua portuguesa ainda é, para alguns, marca de identidade. Reportagem de Gonçalo Cadilhe para o EXPRESSO, na sua volta ao mundo.
É o mar Arábico, não sei porquê. Nos mapas parece-me tudo o mesmo oceano Índico. O quê, ou quem, divide os mares em outros mares? Serão correntes, temperaturas, ilhas, relevos submersos que colocam o Tirreno dentro do Mediterrâneo, o Cantábrico num canto do Atlântico, o mar da Tasmânia no fim do oceano Pacífico?
Este, o Arábico, talvez se chame assim por uma imprecação de Vasco da Gama ou Albuquerque, os heróis antigos deste pedaço de Índia onde em tempos o mar acabava e a terra recomeçava: «Primeiro, as águas agitadas do mar dos árabes; depois, as colinas ondulantes da Goa cristã». Outros tempos. Portugal aqui acabou, sem transição nem tentáculos no futuro, um insignificante momento político nesta terra de religião em que o ciclo cósmico substitui o sentido da História.
Sobrevivem algumas praças e fachadas, que poderiam ser as de um passeio nocturno pelos centros de Alcobaça ou Viseu, vestígios pitorescos submersos por prédios feios e degradados - que poderiam ser, também eles, de Alcobaça ou Viseu. Despontam alguns letreiros, nomes, topónimos que já ninguém sabe ler: Barbearia Godinho, Hotel Prainha, Bairro das Fontainhas. Os folhetos turísticos dedicam algumas linhas ao exotismo do legado português - a «siesta», a indolência mediterrânea, o cristianismo - e depois prosseguem para temas mais mundanos: as praias, os empreendimentos hoteleiros, as compras ou Velha Goa, a Roma do Oriente.
Visito essa aparição que é Velha Goa, a primeira cidade construída pelos meus antepassados, a capital dos anos da abundância fácil, da fé exacerbada. Dois séculos depois foi trocada por Panjim. Passeio pela capital despojada. Pouco lhe ficou: apenas as inúmeras igrejas, imensas, abandonadas. Já as tinha visto, do comboio, na luz delicada do final da tarde. A paisagem colorida, aquática, fértil, de uma serenidade bíblica, parecia acolher bem as torres e os crucifixos - um entrelaçado de religiosidade codificada e espiritualidade telúrica. Mas agora, sem a distância, sem a luminosidade, as igrejas aparecem como menires fossilizados, mudos, lineares, que se afundam numa maré enchente de cultos vigorosos e teologias vorazes. Velha Goa é a nossa Atlântida tropical.
PASSADO TURÍSTICO
«Os portugueses tinham criado em Goa uma espécie de vazio meso-americano, como os espanhóis no México», escreve Naipaul em India, a Million Mutinies Now. «Tinham criado na Índia algo não da Índia, uma simplificação, onde o passado indiano tinha sido abolido». Da mesma forma que os contemporâneos de Albuquerque cortaram relações com o que existiu antes deles, a Índia contemporânea relega o passado português ao episódio de folheto turístico. Portugal em Goa: um fluxo de tempo seccionado, um fantasma no subcontinente indiano.
Pergunto a Maité e Aires Dias o que sentem que são, se portugueses ou indianos. «Goeses», respondem. A resposta é comum nesta geração, a única à qual ainda se pode fazer a pergunta. Os outros já nasceram depois da anexação. Maité e Aires estavam, em 1961, na flor da idade. Um dia adormeceram portugueses, no dia seguinte acordaram indianos. «Nehru perdeu a paciência com a intransigência de Salazar», explicam-me. Goa era para o grande estadista - refiro-me a Nehru, claro - como «um fruto maduro, que há-de cair por si mesmo». Mas o fruto acabou por se colher à força.
Deleito-me com o português suave dos meus amigos, clássico sem ser arcaico, nenhum sotaque particular, nenhuma vulgaridade ou vício moderno, as mesmas formas de expressão que um Ricardo Reis poderia trocar com Marcenda. Será a língua portuguesa a pátria destes goeses? Se não, que outro significado atribuir ao gesto do senhor Miranda, da loja de fotocópias, uns dias atrás? Quando lhe disse a minha nacionalidade, extraiu um livro de uma gaveta e exibiu-o como uma bandeira: era o Memorial do Convento.
A língua como uma identidade, uma força superior às noções de território, raça ou destino comum. É uma ideia subversiva dentro do moderno conceito de nação. Mas no futuro deste planeta globalizado talvez um núcleo linguístico identifique mais que uma pátria.
Por exemplo Prashanth, um engenheiro de som que conheço no hotel. Durante os dias que passamos juntos, apresenta-se sempre como «washingtoniano». Tento perceber porquê. Prashanth nasceu na Índia, emigrou para a América aos oito anos, e agora, com 25, veio de férias à terra natal. Não há contradição nem pretensiosismo na sua identificação. Não se sente nem americano nem indiano, apenas alguém que cresceu numa comunidade hindu em Washington.
Acompanho Prashanth à praia de Anjuna, a duas horas de autocarro. Vai conhecer pessoalmente um amigo de um amigo, um americano: «Falámos várias vezes ao telefone, ajudei-o em algumas coisas, mas nunca nos encontrámos». Anjuna é um dos paraísos mundiais da droga e da contracultura, e apanha-me de surpresa. Assistimos a um concerto de instrumentos orientais, numa esplanada sobre o mar. A música é hipnótica, repetitiva, amodal, insinuante. A audiência está completamente drogada - «com pastilhas», explica Prashanth - e dança sem beleza nem pudor pelo estrado da esplanada, não pelo prazer liberatório do movimento corporal mas como resposta ao ritmo alienante. Sinto-me a testemunha involuntária de um ritual pagão, de um transe colectivo.
GOA GIL
O «GURU» PEDANTE Ao fim da tarde encontramos Goa Gil, o amigo do amigo do Prashanth. Goa Gil é um dos inventores da música «trance» - essa maldita não-música que infesta as discotecas do mundo inteiro. Dentro do «millieu», Goa Gil é uma pessoa importante, e considera-se como tal. O americano, vestido como um guru indiano, recebe-nos na sala de audiências do seu pequeno feudo. Meia dúzia de seguidores escutam boquiabertos o que tem para dizer. Oferece-nos um chá, mas recusa-se a falar com o jornalista português: «Só falo para a minha tribo», explica-nos. Trata Prashanth, o amigo do seu amigo, com suficiência e enfado. Decidimos retirar-nos ao fim de poucos minutos. Prashanth está furioso com a humilhação, eu com o tempo perdido.
Regressamos a Goa no último autocarro. Prashanth de repente exclama: «E se o chá tivesse droga?» Eu excluo a hipótese, depois olho pela janela: «Prashanth, na Índia há elefantes cor-de-rosa a planar pela floresta?» Responde: «Sim, há. Já vi uns quatro desde que tomei aquele chá». Rimos às gargalhadas, no velho autocarro que regressa a um fantasma do passado, onde o tempo é cósmico e a língua substitui a ideia de pátria.
Gonçalo Cadilhe
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Madalena Muñoz
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