Monday, November 16, 2009

Entrevista #2 - muito gira


Entrevista a "Ensino Magazine Online" Junho 2008


GONÇALO CADILHE
O homem que persegue o sonho de Magalhães
O Viajante ao serviço de um ideal de vida muito próprio, Gonçalo Cadilhe fala de uma viagem radicalmente diferente das que empreende sozinho por todo o mundo, o projecto televisivo Nos Passos de Magalhães.Valoriza «Cada minuto vale mais que cada cêntimo» e diz trazer das viagens apenas papéis. Mas da sua bagagem fazem também parte as crónicas que vai reunindo em livros tão essenciais como Planisfério Pessoal e a Lua Pode Esperar. Com um percurso feito de inúmeros destinos, aos 40 anos, e com 20 anos de viagens, Gonçalo Cadilhe está em forma para continuar a percorrer a terra, pois afirma «voar não é viajar é só chegar de um ponto a outro ponto».

Nos Passos de Magalhães – Em Busca da Maior Epopeia Realizada por um Português é um livro teu e também uma série documental televisiva a ser transmitida aos sábados à noite, na RTP2. Tal como Fernão de Magalhães também és um viajante e um homem de aventura, mas esta epopeia foi concluída em circunstâncias diferentes, as câmaras de televisão estavam lá. Como foi a experiência?

A minha epopeia foi radicalmente diferente dos projectos que tinha a vindo a desenvolver nos últimos anos. Não estava a viajar sozinho, essa é a diferença fundamental e isso obrigou-me a uma organização brutal, a nível de encontros com o operador de câmara, que vinha ter comigo com uma certa regularidade aos lugares chave da vida de Magalhães. Por outro lado, tínhamos marcações. Poderíamos visitar este museu e filmar no dia xis, havia a entrevista com o professor universitário, da Universidade não sei onde, no dia ipslon, era tudo especialmente compartimentado e agendado. Precisamente o oposto do meu projecto anterior, da viagem de África. O que acontecia no momento, decidia o próximo passo. Depois o facto de querer ter a certeza do que estava a dizer, obrigou-me a uma pesquisa de quase um ano, de dezenas de livros, para chegar à síntese que espero seja a indicada como veículo de transmissão da vida de Magalhães.


Fernão de Magalhães há 500 anos empreendeu uma viagem de circum-navegação ao serviço do rei de Espanha. És um viajante ao serviço do quê?

Ao serviço de um ideal de vida muito próprio, muito pessoal, onde cada minuto vale mais que cada cêntimo. Aquela ideia de «tempo é dinheiro» ganha o seu significado literal, ou se tem tempo ou se tem dinheiro e eu sempre preferi ter tempo em detrimento do dinheiro. Esta viagem Nos Passos de Magalhães, flui perfeitamente dentro do percurso de vida que tenho vindo a levar nos últimos 20 anos.


Com um curso de Gestão de Empresas, trabalhaste sete meses em Marketing. Foi o tempo necessário para perceberes que a tua empresa era o mundo, ou esse era um sonho mais antigo?

Definitivamente um sonho muito mais antigo. Um sonho que esperava apenas ser concretizado, mas que está desde miúdo. Há dias recebi um e-mail de um amigo que já não vejo há vinte cinco anos. Conseguiu contactar-me porque enviou o e-mail para a editora, que depois o passou. Ele dizia «quando comecei a ver o teu nome, interrogava-me, será o mesmo que eu conheci há vinte e tal anos na Figueira? Mas tinha a certeza que sim, porque já na altura o teu sonho era andar a viajar pelo mundo». Pelos vistos, quando tínhamos 12,13, 14 anos e éramos amigos, já falava disso.

Depois há algo que também escrevo num livro, No Principio Estava o Mar «Se um sonho que nós temos é apenas isso, um sonho nunca se chega a realizar». Chegamos aos 70 ou 80 anos, olhamos para trás e vemos que andamos a vida toda a ser atormentados por esse sonho e nunca o realizamos, afinal não foi um sonho, foi um pesadelo. Eu não queria ter pesadelos, queria ter sonhos.

Tens vários livros publicados, escreveste como jornalista de viagens para a Grande Reportagem, para o Independente, e actualmente assinas artigos na Única, a revista do Expresso. Escreves para poder viajar ou também viajas para escrever?

É uma pergunta que me ponho a mim próprio e ainda não tenho uma resposta. Faço as duas coisas. Portanto a resposta está dada.

África Acima (2007) é o resultado de 8 meses de viagens e 27 mil quilómetros através de África, do Cabo da Boas Esperança, ao Estreito de Gibraltar. No livro afirmas «Excluo o transporte aéreo, voar sobre África não é viajar por África. Aliás, voar não é viajar.».Uma viagem cumpre-se mais no percurso do que no destino?

Depende da viagem, depende do projecto. No caso de Magalhães, por exemplo, a viagem cumpria-se nos destinos e não no percurso. O que interessava era chegar aos lugares onde ele esteve. Têm esse símbolo, de terem testemunhado cinco séculos atrás, a vida desse homem. Não me interessava atravessar um país que nada viu de Magalhães. Moçambique, Tanzânia, Quénia são três países que estão ligados uns aos outros, Magalhães sabe-se com toda a certeza que esteve na ilha de Moçambique, em Mombaça, no Quénia, não esteve. Atravessar de um lado ao outro não fazia parte do meu projecto, cada projecto tem um objectivo. Mas volto repetir o que já disse nesse livro «Voar não é viajar, é apenas chegar de um ponto a outro ponto».

Um turista regressa com recordações na bagagem e as recordações de um viajante, cabem na mochila ou não são de ordem material?

Cada viajante terá a sua resposta. Pessoalmente a única coisa que trago, a nível material, são bilhetes de autocarro, entradas de museus, etiquetas de cerveja. Só papéis que depois me divirto em casa a colar num cartaz que ponho na parede. Não trago mais nada, por causa do peso e porque acho que é uma tentativa inútil de recuperar uma experiência que vivemos e que só a memória pode realmente guarda-la. Um objecto em si não consegue ter o poder de transportar ao momento em que vivemos isso.


Mas também acho essa distinção entre turista e viajante injusta. O turista pode viver muito mais intensamente a viagem do que o viajante. Um viajante pode apenas sê-lo porque vive numa época da história da humanidade e numa zona do globo, como sejam os Estados Unidos, a Austrália ou os países Anglo-saxónicos, em que o nível de vida é muito elevado e é fácil comprar um bilhete para viajar pelos lugares exóticos, estar um ano sem trabalhar e gastar dinheiro que se ganhou facilmente num país. Então esse é um viajante, mas um viajante superficial, que nada lhe foi caro, tudo lhe foi fácil. Foi a indústria do turismo e a indústria dos livros que fez muita pressão para que existisse uma diferença entre turista e viajante.


Voltando à pergunta pessoal, não trago quase nada, só trago brincadeiras, para me divertir a colá-las.

Há um verso de Fernando Pessoa que diz: «Em tudo o que olhei fiquei em parte». Também te sentes ligado aos lugares por onde passas ou procuras sempre um destino mais a norte ou mais a sul. Enfim, mais distante?

Não me importo de voltar repetidamente aos mesmos lugares quando fico ligado a eles, em detrimento de lugares novos que ainda não conheço e que ficarão por conhecer. Não sou pela quantidade, sou pela intensidade da experiência e muitas vezes a experiência mais intensa é no regresso, no reencontro, e não na descoberta.

Atravessas fronteiras perigosas nas tuas andanças pelo mundo?

Viajo com uma relativa segurança, com uma relativa prudência e nunca arrisco por princípio. Se as pessoas atravessarem essas fronteiras, eu faço como elas, sigo-as. Vou sempre com prudência, não corro riscos. Limito-me apenas a fazer o que para essas pessoas é o quotidiano delas. Limito-me a perseguir quotidianos.

Também se viaja ao encontro de si mesmo, ao conhecer o mundo também nos conhecemos melhor?

Não necessariamente. Volto à ideia de há bocado desses jovens anglo-saxónico que quando acabam os estudos conseguem juntar dinheiro ou fazer trabalho de part-time para estar um ano a viajar. Vão atrás da diversão, de um comportamento de massas. Tanto que é assim que há livros que vendem aos milhares, como os Lanely Planet os Rough Guide, onde estão instituídos percursos, e não acredito que por se estar a viajar se esteja a descobrir qualquer coisa. Enquanto há pessoas que sem sair de casa conseguem isso. Depende da espiritualidade que cada um queira desenvolver por si próprio, independentemente de viajar ou não.É obvio que um horizonte aberto permite mais que um horizonte fechado, uma fila de trânsito, um engarrafamento, permite menos que um rochedo sobre uma planície, um vale. Mas isso não tem a ver com viajar, tem a ver com procurar momentos da nossa vida que nos predisponham para essa viagem interior.

Da bagagem fazem parte a prancha de surf, a guitarra e os livros. Qual foi o livro que te acompanhou durante mais tempo ou mais quilómetros?

Magellan, de Tim Joyner. Este livro foi de todos aqueles que li sobre Magalhães o que eu achei que é a biografia definitiva. Foi uma bíblia para mim neste último projecto sobre a viagem.

Muitos sonham com a vida que tens mas poucos terão a coragem de a viver. Que conselho darias a alguém que aspira andar pelo mundo?

É uma ideia muito romântica para quem está de fora, mas depois é uma vida como todas as outras. Uma pessoa tem de saber muito bem o que quer fazer da vida e a partir do momento em que tomou a sua decisão, procurar desenvolve-la da maneira mais coerente possível. Se calhar esse conselho era igual para alguém que vai começar a ser médico, sê honesto contigo próprio, sê coerente. Para alguém que quer ir com o Jipe dar volta ao mundo, não tinha nenhum conselho, porque não faz parte da minha experiência. Se é alguém que quer fazer alguma coisa que eu já fiz, podia ter um conselho, mas tinha de ser uma coisa genérica, ao qual teria cuidado de não dar uma resposta inútil.

O que é que faz falta para viajar?

Uma pessoa só precisa daquilo que tem. Tenho vivido uma vida e feito viagens que estão perfeitamente de acordo com a minha maneira de ser e as minhas limitações, quer económicas, quer intelectuais, quer físicas. Viajar é também uma questão de esforço físico. Nada me tem faltado nada, porque tenho escolhido coisas que estão dentro das minhas possibilidades. Se calhar voltamos à pergunta anterior e o conselho que eu dava era conhecer bem as próprias capacidades, os próprios limites. Os meus quarenta anos, - vou fazer sábado (24 de Maio)- são nesse sentido um planador de serenidade, porque sinto que estou precisamente naquele momento da minha vida em que consigo ter perfeita noção dos meus limites e a forma física e saúde para os realizar.
Eugénia Sousa

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